segunda-feira, 12 de junho de 2017

TEMPO DA DESPEDIDA





Sossega, é hora de entender o tempo do encontro e o tempo da despedida. Percebe cada coisa a seu tempo. Lembra: o tempo vai curar.

Não deu tempo.

Não deu tempo de um último beijo. Na hora a gente não sabia que seria o último. E não houve o  beijo, o carinho final.  Foi assim, fica despedaçado. Abrupto.  Um susto. Que não passa, não se sai dele. Ninguém diz acorda, foi um sonho ruim.

É o tempo da despedida.

O tempo é o caos. Não há ordem, a gente é que pensa que há. Não há, aceita que não. E sossega. Dorme um pouco.

É só mais um domingo que vai ficar perdido no tempo, um dia você vai se lembrar daquele domingo de dois mil e dezessete, em junho, sem tanta dor, um domingo distante.  Vai curar. Eu sei que vai, mas até lá como é que se faz?

E logo um domingo.   Com ele não tinha esse problema de melancolia. Não aos domingos, nem em dia nenhum.

Era acordar preguiçoso, correr pela casa em sinal de alegria e pronto.

Isso, correr pela casa em sinal de alegria. Quando  jovenzinho. Até noutro dia. Agora, no tempo da velhice, era dia de virar de barriga para cima e a coçadinha. Não existe mais o agora, o tempo levou. Será que é o sempre o que devo dizer?

Domingo era um passeio maior, sem hora de voltar, o dia de  coco aberto e daquela carninha macia. De raspar os dentes na borda da casca. De olhar o horizonte. Dia de encanto.

De encantamento, como o domingo que o conhecemos, tão frágil, pequenino, desnorteado, chamado de pateta por ser boboca, por querer mamar e não se defender.

Sossega, não pensa nisso agora.

Alguns domingos, aqueles diluídos na infância, eram para cavar, fuçar buracos até a quentura desaparecer e partir para outro buraco em seguida. E outro. A praia feito a superfície da lua. Então, a água que subia e molhava a barriga, a água salgada que ele não entendia aquele sal todo, a areia molhada que entrava entre os dedos.

Outros domingos eram para correr no parque, andar na trilha, perseguir gatos, latir quando subiam em árvores. Era dia de latidos. Mas latidos eram todos os dias. O barulho do elevador. A campainha. O interfone.  Todos os dias. Pelo coco, pelo almoço e o jantar, ah os caquis vermelhos, aquele melão. Eram tantos  os pedidos e protestos.

Sossega, não lembra disso agora. A gente não controla nada, entende.

Havia os domingos de quietude, de ouvir a chuva cair, de se enroscar e tirar um cochilo maior, de procurar as migalhas sob a mesa. Era dia de deitar no sofá, entre as pernas, enquanto se lia o jornal.   Os afagos no sentido contrário ao pelo, a maciez atrás das orelhas.

Embora isso fosse todos os dias. O tempo todo, o cochilo, as migalhas, o sofá, os afagos.

Depois o banho, sagrado aos domingos. Escovar dentes, limpar ouvido, vai lá, pega sua toalha.  E não lambe o sabonete. A gente é feito de rituais, a gente e os bichos, se  preparar para a semana, quase um ir à missa Porque afinal era domingo. E não lambe o sabonete.

A música sempre. Às vezes a dança. Cabecinha repousada no meu ombro, minha mão segurando a coluna, a outra servindo como apoio nas pernas. E vinha uma lambida, assim de repente, do nada, a lambida. Roubava um beijo, era o que fazia. Não só aos domingos. O tempo todo.

Sossega, para de lembrar.  Dorme um pouco.

Acalma, vive o tempo da perda, da casa vazia, dos silêncios, da falta de patinhas a arranhar o chão.

É tempo de imaginar o céu dos cachorrinhos, cheio de árvores e plantas, água limpa correndo devagar, o sol que brilha e esquenta, mas não muito forte que é para não queimar as almofadinhas. Lá, nesse céu dos cachorrinhos, não existem raios nem trovões, ninguém solta foguetes. Não tem perigo. Não existe medo. A grama é bem verde para se esfregar, num canto tem areia para as escavações quase geológicas. É servido frango com arroz e cenoura, e de sobremesa uma tangerina. Às vezes tem macarrão. Lá, não se usa coleira, é correr sem pensar em voltar. E depois tirar o sono dos justos. E de noite, nem te conto, mas de noite tem mil estrelinhas. E você é uma delas, a gente vê daqui.

A gente sempre soube que existia esse céu, que lá os cachorros são felizes, mas não ia visitar.

Agora vamos. 

Agora, não. Sempre.

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