terça-feira, 2 de janeiro de 2018

DOIS MIL E DEZOITO




Eu te amo é muito comum para essa noite, pensei logo depois que te disse eu te amo, que eu repeti o ano inteiro, que venho insistindo há tempos, mas o que mais vou te dizer se o que quero é te dizer que te amo? E insisti naquele instante num eu te amo baixinho, de novo, feito um segredo, só os movimentos labiais. A lua quase quase redonda no alto, como se usasse uma echarpe de filó para evitar um resfriado. Logo mais ela vai estar plena, uma Superlua, como vem sendo anunciada, com maiúscula e tudo.

A areia fria, boa de pisar naquela hora, o Dois Irmãos feito uma pintura em acrílico, um mural ali à direita de nós, bem escuro, o contorno da montanha mais forte que o véu de nuvem.  E ao pé do morro chapiscos de luzinhas coloridas a cair no oceano, incontáveis luzinhas, milhares de respingos brancos e amarelos  e azuis de tinta jogados aleatoriamente. Festas nos apartamentos,  músicas espalhadas no ar faltando fôlego para chegar até nós, o som perdido no espaço dos minutos que levamos para chegar ali, na beira.

O outro lado é só mar, as ilhas todas que a essa hora somem no horizonte, navios, o Atlântico, as ondas prateadas,  quantas toneladas de água, e  então a costa da África, tão perto. Será que eles, lá do outro lado, estão se vendo em nós, esperando o futuro preste a se anunciar e explodir em fogos? E pensar que era tudo isso uma coisa só, rochas e vales e crateras e terra e rios e árvores e já até havia essa lua enquanto a gente era só poeira. E no entanto, eu te digo, e no entanto, num ponto qualquer disso tudo que está aí, eu te amava. No Cretáceo, eu já te amava. 

Era nisso que eu pensava quando finquei as flores no montinho da areia que você ajeitou para ficar bem firme e  pegou a minha mão.  Seus dedos entrelaçaram os meus, é muito bom isso de andar de mãos dadas com você. O mar calmo. O vento bom, fresco. Ali, a  espuma fez uma lagoinha, os pés afundaram na parte mole. A paz, se eu fosse capaz de defini-la, seria isso: mãos dadas à beira d’água.

Meus olhos marejados. Por depois de tanto tempo ter você segurando a minha mão. Por eu ser outra agora, e voltar a ser a mesma que te amava lá no Cretáceo, quando olhava as Superluas sem saber serem superluas, sem saber das maiúsculas, sem saber de nada.  Lembrei de mãe e de pai, das gentes queridas mortas, de gente bípede e quadrúpede, que amei e quis bem, que estejam felizes, pensei, enquanto eu viver eles todos viverão em mim. Mais um ano. E olhai por nós, eu disse.

As flores oferecidas por outras pessoas voltam e ficam presas pela areia, largadas. Como esperança, há alguma aqui, alguma ali. Amanhã cedo serão recolhidas pelos garis, transformadas em adubo. As flores.

A esperança segue, vai e volta. A onda. É o que mantém a vida.