quinta-feira, 31 de dezembro de 2015

O ANO DO AFETO



2015 foi um ano difícil. Falo de uma perspectiva totalmente pessoal.

Foi o ano de botar o ponto final no casamento, que durou dezoito anos, talvez mais do que deveria. Quando vem a palavra, a separação já chegou há tempos. Foi o ano de ter o coração partido, o ano da perda de confiança, e de aprender que as histórias de amor nascem fadadas ao fim. Algumas, nem todas. Foi o ano em que me descobri sendo otimista apesar da tempestade.

Ainda bem que para tudo na vida há outro lado, outros lados, e 2015 foi um ano muito bom.

Foi o ano em que me aproximei mais dos meus irmãos e que percebi que posso contar com colo quando preciso, que posso cair que eles vão me ajudar a levantar.

Foi o ano de encontrar novos amigos, descobrir afinidades e cumplicidade, formar grupo de literatura,  ter uma agente literária que é simplesmente o máximo, conhecer a generosidade de alguns escritores, lançar meu primeiro livro. Foi o ano em que eu terminei um romance, acreditei que sou escritora e levo a sério a profissão.

Foi o ano de confirmar que eu sou uma felizarda por ter um  trabalho que gosto, momentos que vibro,  dividir o trunfos e perrengues com uma equipe da qual eu me orgulho de fazer parte, e com a qual quero viver outras aventuras e conquistar o que alguns acham que é utopia.

Foi o ano de confirmar velhas amizades, reencontrar pessoas que me fazem transbordar de tanto afeto e carinho, redescobrir como é bom bater um bom papo despretensioso, dar boas gargalhadas, estar junto.

Foi o ano de ter o reencontro  com quem eu fui um dia  e  perceber como eu gosto de ser essa pessoa, mais leve, menos assustada, encarando os medos, hoje achando que sabe bem mais do que já soube um dia, mas que tem muito o que aprender ainda.

Foi o ano de me olhar no espelho e encontrar mais algumas rugas, uma bolsa embaixo dos olhos e muitos cabelos brancos.  De aprender a lidar com a raiva e a ansiedade, e de correr para segurar o onda. Mas foi o ano de não sentir nenhuma saudade da insegurança lá de trás, e de ter orgulho da trajetória até aqui.

E termino o ano em Atlanta, confirmando que certos amigos são mais que amigos, são irmãos, que me acolhem e me dão mais que a mão para que eu siga adiante.

Sou grata por tudo e a todos, e desejo todo o afeto do mundo para esse pessoal que fez de 2015 meu ano inesquecível. E que venha 2016, porque força a gente tira de algum lugar.







segunda-feira, 7 de dezembro de 2015

ENGANAR, ILUDIR, OFUSCAR

Parte da minha coleção de X-Files


Aguardo ansiosamente a volta de X-Files, com uma curiosidade enorme para ver como seguirá no século 21. Afinal, é uma série de fins do século 20, uma época tão antiga que parece que aconteceu há duzentos anos.

X-Files foi ao ar entre 1993 e 2002. Nenhum episódio apresenta terrorismo, islamismo, árabes ou até mesmo chineses, temas chave em 24 Horas, da era pós 11 de setembro, por exemplo.

No universo de X-Files, os inimigos são os extraterrestres, os russos, os conspiradores americanos, e em vários casos, o sobrenatural. E o pai de toda a conspiração é o Cigarette Smoking Man, cuja identidade é revelada temporadas depois da estreia, quando a série estava no auge do sucesso. Só que ele não vai estar na nova versão, pois morreu ao final da última temporada. Não sei o jeito que vão dar. Ando preocupada com isso.

Smoking Man estava por trás de todas as tramas entrelaçadas e o cigarro é a marca do mal. A fumaça expirada pelo Smoking Man é uma projeção de seu próprio caráter: não tem limites, invade todos os espaços possíveis, torna o ar embaçado e irrespirável. Quando a câmera foca na fumaça, você já fica alerta: o Smoking Man está por perto e, onde ele está, impera o sofrimento, o tormento, a aflição, a angústia, a peste, a doença, a morte. Ele é uma espécie de Darth Vader com um cigarro sempre aceso, definiu uma vez um dos diretores da série.

Na quarta temporada, há um episódio sensacional, Meditações sobre o Canceroso, que conta a origem desse personagem. Jovem capitão da Força Aérea americana, em 1962 ele é convocado pelos conspiradores da época, todos infiltrados no governo. Fazem um interrogatório onde mostram o currículo repleto de torpezas do homem e o convocam para uma missão, descrita assim: o assassinato de um civil americano, de 46 anos, antigo comandante da Marinha, casado, pai de dois filhos: o presidente John Kennedy.

O Smoking Man encontra Lee Oswald, que fuma. Ele manda essa: "Você não deveria fumar essas coisas, Lee. Estou lendo estudos que dizem que podem te matar". Perfeito, já que na década de 60 a indústria do tabaco escondia do público as pesquisas que associavam cigarro ao desenvolvimento de várias doenças, inclusive o câncer. Lee lhe entrega o maço de Morley que fumava. Vai para o depósito de livros e o resto entra para a história.

Missão cumprida, nosso anti-herói vai ao cinema, justamente onde Lee é encontrado pela polícia e, enquanto observa a prisão do bode expiatório, começa a fumar. Torna-se fumante compulsivo. Depois, ganha um passaporte para a clandestinidade, passando a atuar só nos bastidores.

Anos depois, é o responsável pelo assassinato de Martin Luther King, pela conspiração de Roswell, por centenas de abduções forjadas. Através de um dispositivo em tempo real, ele também é o primeiro a saber que Gorbatchov tinha desmantelado a União Soviética. Num diálogo extraordinário, tendo como cenário um laboratório secreto onde um alienígena capturado é mantido vivo através de um respirador, ele e um outro conspirador:

Smoking Man: Quantos fatos históricos só nós dois testemunhamos juntos? Quantas vezes nós fizemos ou mudamos a história? E nossos nomes nunca puderam aparecer em nenhum livro ou registro. Nunca fizeram um monumento a nós. E mais uma vez esta noite o curso da história da humanidade será decidido por dois homens desconhecidos que se escondem nas sombras.

O conspirador lhe dá uma arma e cita uma resolução que diz que o país que capturar um alienígena é obrigado a eliminá-lo.

Conspirador: Eu sou o mentiroso. Você é o assassino.

Smoking Man: Suas mentiras mataram mais homens em um dia do que eu matei em toda a vida. Eu nunca matei ninguém.

Pois é. Eu nunca matei ninguém, deve ser isso que pensam os nossos conspiradores, recentemente presos e/ou temendo pela prisão, eu imagino. 


E como a fumaça do cigarro do Smoking Man,  a lama metafórica de Brasília é  tão real e assustadora, invasora, vai tomando todo o espaço, causa asfixia. Você sabe que algum mal vai causar. Uma lama tão antiga quanto o século 20, e que me faz pensar que é preciso enganar, iludir, ofuscar, uma das frases célebres de X-Files.

terça-feira, 17 de novembro de 2015

NININHA




Nininha. Nininha.  Meio musicado. A última sílaba bem esticada.  

Era assim que a minha mãe me acordava, todos os dias, para eu ir para a escola. Ela vinha pela sala até meu quarto, me fazia um carinho na cabeça e me sacudia, de leve, embora o leve dela fosse meio pesado. Filha de alemã criada em colégio interno não dá moleza.

São sete horas, dizia. Mas já, minha resposta habitual. E  eu me virava para o lado, me enroscava mais ainda debaixo do edredom.

Ela, então, puxava a coberta e calçava minhas meias. Movia minhas pernas para fora da cama. Eu, um zumbi de pijamas.  E me guiava até o banheiro.

E quando eu voltava, a maior cara de sono do mundo porque nunca gostei de acordar cedo, de uniforme, penteada e lavanda passada no pescoço, o café com leite estava na caneca, o pão  quentinho tinha a manteiga derretida e era só eu engolir.  O que dava trabalho, e ela falava anda, come logo.  

Era um ritual que se repetiu do primário – e aqui entrego a minha idade – até o vestibular.  

Nininha. Nininha.  A última sílaba esticada. E esse nunca foi meu apelido, era só o jeito de me despertar.

Ouvi essa voz hoje. Queria que fosse a minha mãe, que de repente o mundo tivesse andado para trás e eu fosse sacudida por ela para sair da cama, ela calçasse minhas meias e a vida entrasse num eixo que se perdeu.

Doze anos que ela se foi. Hoje.  Dezessete de novembro.  

Para homenageá-la, ouvi Outra Vez, com Roberto Carlos, a música favorita dela, que a fazia ficar com os olhos cheios d’água, todos os anos, no especial do fim do ano. E eu ria, dizia que ela era uma boba por chorar com Roberto.

A história se repete. Mas hoje sou eu quem choro.


quinta-feira, 12 de novembro de 2015

POEMINHA BOBO

gosto de você 
só um poço 
um pocinho 
um porquinho 
um potinho 
um danoninho 
um bifinho 

gosto de você 
só bem pouquinho 
uma poeirinha cósmica 
um grãozinho de areia 
um ciliozinho que cai no olho 
um furinho na roupa 
um cheirinho no cangote 

tudo bem pequenininho 
bem devagarzinho 
bem calminho 
com todo cuidadinho 

é assim que gosto de você 
tranquilinho 

às vezes dá uma saudadezinha
que é grandona 
tsunami 
terremoto 

what the hell

agora tá aí 
bem explicadinho 
sem medinho 

gosto de você 
mas é bem pouquinho

ufa.

terça-feira, 27 de outubro de 2015

TOO MUCH LOVE

Pombo observa praça em Oslo


Querido,

Cheguei a São Paulo.

A previsão me atrapalhou. E o engano foi feio. Está frio e eu só tenho um casaco leve. E uma echarpe.  Deixei as  botas em casa, logo eu, que adoro botas e não tenho quase chance de usá-las.

u cinzento como é de praxe na cidade. Eu gosto desse clima nublado. Talvez haja um certo blue aqui dentro de mim. Dias ensolarados em excesso me causam agonia. Há certa paz assim, com a neblina, uma beleza esse lusco-fusco, sabe?  É olhar de um certo jeito, não precisa ser espremido entre mar e montanha. Nem tudo é um espetáculo solar, aplausos  ao pôr-do-sol. Não tem porquê escancarar a felicidade para todos verem, como se ela, essa bendita felicidade, estivesse no sol a sair de cena de fininho, morrer atrás de uma pedra, flagrar a bola avermelhada e postar no Insta. Não tenho capacidade de entender essa alegria toda, essa conversa regada a chope e suor em mesas nas calçadas. Você tem, querido?

Felicidade tem mais a ver com o  caminhar pelos jardins num dia menos luminoso, olhar os patos, marrecos, cisnes, que bichos são esses? o lago, a cascata, aquela estátua contra a luz.  Você reparou que em cima de todo monumento, qualquer um, vem sempre um pombo pousar? Você me olha admirado e eu repito, é sim, olha ali,  em qualquer lugar.  Aqui, em Oslo, Berlim, Paris, Veneza. Reykjavik. Os pombos observam as cidades do alto de cabeças  de bronze, é sempre assim.

Desço as escadas do avião e entro no ônibus. O que aconteceu com os fingers? Toda hora esses ônibus  cheirando a diesel  e a gente tropeçando nas malas atiradas aos pés de cada um.  Coisa chatinha essa. Gosto de fingers, de sair direto puxando minha mala e sumir no saguão. Um cara fala alto e me olha. Nossos olhares se cruzam algumas vezes. Houve tempo em que meu olhar não cruzava o de ninguém. Mal olhava para mim. Meu mundo era fechado, islâmico, encoberto. E de repente se abriu. E está numa expansão veloz. Ainda bem, eu digo, agradeço aos astros, aos deuses, ao universo, eu que sou a cética materialista.  E penso em quanto tempo perdido. Esses  anos todos a reinventar.

Os mundos se abrem, sabia? Quando a gente percebe, está por aí, passeando em jardins, admirando patos, sorrindo para estátuas. O cara que fala alto ao meu lado diz que faz polo aquático e que foi a uma festa incrível ontem à noite. Tenta impressionar uma moça que está visivelmente louca de vontade de cair fora dali. Eu penso em você e que faz frio aqui fora. E que eu só trouxe o casaco leve. Vou me dar mal.

Querido. 

xi em São Paulo num domingo você não tem ideia de como é: sem fila.  Gentileza. A Vinte e Três está vazia. A paisagem é feia, concordo, mas de alguma forma me encanta. Gosto de arranha-céus. E de cidades desertas. Queria acordar como Tom Cruise em Vanilla Sky e não ter ninguém na rua. Deve ser o blue aqui dentro. E mais um filme para a nossa lista. Mais uma música também. Paul cantando Vanilla enquanto corro dá um pique, sabe?

Uma bruxa me espera no saguão do hotel. Quase Halloween e ela distribui balas aos hóspedes.  Uma bala laranja, que eu recuso, não obrigada.  o gosto de balas laranjas. Nem amarelas. Ou verdes. Acho que não gosto de balas. Só de chocolate.

E enquanto eu preencho a ficha na recepção com endereço falso - sempre preencho  endereços falsos, é minha hora de viver a fantasia de não morar onde moro, de ser outra pessoa,  a Phoebe de Friends, por exemplo,  Prince Street e café no Central Perk  – a feiticeira leva os gringos que estavam assistindo ao futebol na recepção para uma festa.  

Mais tarde, estão todos no restaurante dos fundos. Uns carinhas de camisa laranja, iguais às balas, a pele com um tom próximo, e mulheres de preto, com capa, chapéus pontudos e maquiagem pesada. Morcegos e caveiras enfeitam as paredes. Não, querido, não estou num sonho, ainda nem dormi, é cedo para isso, tomo minha sopa, e eles dançam de rosto colado, tão anos setenta, hi-fi, lembra disso?

Um telão passa um futebol de salão, coisa sem graça, até eu faria um gol naquele campo pequenino. Faria não? Ah, I did, olha só, e chuto no ar direto na trave. Nada combina com nada, é o que eu acho, e aí te pergunto: quem  disse que tem que combinar? Eles estão felizes ali, agarradinhos, a noite vai ser boa para eles e é isso que vale. Cada um inventa seu tempo à sua maneira.

E eu? Eu bem acordada aqui no quarto. Vai fazer frio amanhã e só tenho o casaco leve. Pena não ter vindo de botas.  Theres too much love no Ipad.  Danço assim mesmo, sem você, sozinha no quarto, sem rosto colado.  A TV em mute. E sinto uma alegria boba, fora de hora, mas esse contentamento, essa alegria sem sentido, me invade. E eu danço.

Amanhã o dia vai ser corrido. E eu vou sentir falta de você. Eu sempre digo isso, meu problema é a repetição. Falta de você. Querido.

It's safer not to look around
There's no hide my feelings from you now

But too much love to go around these days