Era uma menina quando o conheceu. Vinte anos
e um amontoado de ingenuidade e esperança. Não imaginava que o mundo se
tornaria o que se tornou. Competitivo. Desumano. Invasivo. Efêmero. As relações
virtuais que invadem a vida de quem não quer se expor. As fotos que duram dez segundos e se vão,
somem, para mais fotos chegarem, e durarem dez segundos. E sumirem.
O Rock in Rio faz trinta anos, quase o tempo
desse amor, ela pensa. A lua cheia entrará em eclipse daqui a pouco. Grande, manchada.
Escondida pelas nuvens. Chove na cidade uma chuva que há muito não caía.
Lá, naquele passado remoto, aquele em que se
conheceram e do qual ela se recorda, reencontra o antigo amor. Lá, ela escrevia
com caneta Bic em blocos de papel, ou à máquina, as juras de amor, os poemas
melodramáticos, e os dedos se sujavam ao trocar a fita da Olivetti. A Olivetti
azul, brilhosa, que ela se arrepende de ter passado adiante quando comprou o
primeiro computador, na década seguinte.
Deveria ter guardado, um objeto decorativo,
como a Pentax que enfeita a mesa de centro. Analógica, o cheiro do filme
sequestrado em sua caixa. Não funciona mais, os botões ganharam um tom
esverdeado e fungos tomaram conta da lente. O tempo estraga tudo, ela pensa,
para logo em seguida se redimir.
O tempo acalma tudo. E respira aliviada pelo
passar do tempo. A lua antes da chuva, amarela.
Ela caiu de amores por ele aos vinte anos. Ele
também, pura delicadeza, diferente dos meninos da idade dela. Na escada do
Jardim Botânico, entre palmeiras imperiais, uma aranha pequenina subiu no braço
dela e ele retirou, cuidadoso, e aproveitou o pretexto para se chegar mais. Afundou os dedos no cabelo dela. O beijo. Inesperado. Suave. O beijo que ela nunca mais
esqueceria.
A mesma lua daqui é a daí, a mesma do lugar
onde você está, ela pensa. A mesma que estava no céu lá naquele tempo do Jardim
Botânico. Na era paleolítica. Quando éramos só unicelulares, quando éramos
amebas, a lua estava lá. Ela sempre
esteve. A mesma. Os mesmos. Onde você está?
Ela nunca esqueceu aquela escada de pedras, as orquídeas, a alfazema misturada à umidade. Tinha chovido na véspera do beijo. Agora,
enquanto chove, é inundada pelo mesmo cheiro de terra molhada.
O Rock in Rio acontece sob lama, como da
primeira vez. A vida vem em ondas como o mar, Lulu ontem no palco, ela se
tomando de amores por aquele amor dos seus vinte anos novamente.
Querido, o
que que a gente faz com uma saudade de trinta anos, ela pergunta.
A lua se
esconde entre as nuvens pesadas.
Profundo. Terno. Belo! E me bateu tambem uma saudade....
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