terça-feira, 26 de maio de 2015

OS ANJOS DE BERLIM



Hoje me deu uma saudade tão grande dos dias passados em Berlim, há quase um ano, e revi fotos.

Fotos são uma forma de viagem, de refazer os nossos passos, de sentir os cheiros, reviver os sabores experimentados. Trouxeram lembranças de dias de paz, de bicicletas, de museus, de andar pelas ruas admirada com prédios, estátuas, monumentos, jardins, exposições. Muro. Histórias. O cansaço bom de tentar absorver tudo o que a cidade tem num espaço curto de tempo.

Os anjos de Berlim são os mais bonitos de todos, tão fortes e poderosos, diferentes dos anjos italianos ou franceses, românticos, angelicais. Anjos bélicos?



Os alemães e seus canhões, era o que ecoava na minha cabeça quando eu via anjos em Berlim. E quando mexi nas fotos agora.



Lembrei da música tocada no bar, um jazz animado, à beira do rio, no momento dessa foto.  Spree. Uma alegria aquela música, a cerveja gelada e a Bratwurst no pão, lambuzada de mostarda, um sol morno aquecendo a pele e bicicletas colorindo a cidade.





Saudade é isso, a gente nem explica.

segunda-feira, 18 de maio de 2015

PURA ABSTRAÇÃO

Dois personagens meus, de um romance ainda não publicado, vivem em busca da felicidade, cada um a seu modo. Para ela, felicidade é trabalhar, ganhar bem, ter estabilidade e um grande amor. Para ele, felicidade é pura abstração.

Tenho pensado muito sobre ser feliz, esse ideal da imaginação, não da razão, diria Kant.

Às vezes, é só um por do sol, que traz linhas avermelhadas ao céu azul. Noutras, é o nascer daquele mesmo sol, com seus tons amarelos surgindo por atrás da Pedra da Gávea.

O mar batendo na areia, se recolhendo e voltando a bater, a espuma branca e aquele cheiro de maresia. Pura felicidade. A lua cheia, gigantesca, que existe desde muito antes de nós mesmos, trazendo um encantamento enorme, sendo fotografada e figurando nas melhores mídias sociais. O que é isso, uma abstração?

O piano de Tom em Wave, a voz de Nina Simone com Please, Don’t Let me be Misunderstood, Caetano com Vampiro, as dancinhas do Renato e Non, Je Ne Regrette Rien, com Cássia Eller. Se isso não é felicidade, eu não sei mais o que é.

Dizem que torcer pelos amigos nos faz feliz. Amigos são tudo na vida, saber que existe alguém assim ou assado, de um jeito todo especial, e que gosta da gente porque a gente é o que a gente é traz uma esperança  para a vida que só pode mesmo levar a ela, à tal da felicidade.


Correr riscos também traz boa sorte, segundo outro estudo. Sair da zona de conforto é muito bom mesmo, perseguir novos objetivos e ter novos sonhos, sim, faz muito bem. O ser humano é inovador por natureza, sempre se arriscou, ou não teríamos chegado aqui.  Talvez tenha se arriscado em busca de alguma coisa maior, indescritível, que proporcione uma descarga de endorfina, serotonina e outros hormônios.

Fazer aniversário é um outro motivo para o contentamento. Meu aniversário é hoje, em plena segunda-feira.  Eu só posso comemorar recebendo abraços e beijos reais e  parabéns virtuais de tantos amigos espalhados por aí. Tem gente que não gosta de celebrar, reclama de envelhecer. Para mim, é a única opção da vida. É bom ter rugas, cabelos brancos e essa coisa que chamam de tranquilidade de ter chegado até aqui.

E hoje, esse aniversário tem um gostinho muito especial: estreio no portal Um Olhar, com a coluna Um Olhar do Dia a Dia (http://umolhar.net/umolhardodiaadia/puraabstracao), ao lado de um pessoal muito bacana. 

A partir de hoje, toda semana vou dar uma passada lá para algumas observações sobre o dia-a-dia, de gente que passa na rua e cruza comigo, gente que ganha as páginas de jornais e, de alguma forma, também cruza com o meu olhar. De gente que está nas telas, nos palcos, em livros. De gente que não é gente, que é bicho, cachorro, gato.

Enfim, pretendo registrar  alguns momentos de felicidade, de tristeza, melancolia, de tudo o que a gente sente nessa jornada imprecisa que é viver.  Pura abstração.







domingo, 10 de maio de 2015

DIA DAS MÃES




Sou eu essa aí acima e, segundo a informação do verso da foto, com dez dias de nascida.  Foi feita, então, descubro agora, em 28 de maio de 1967, um domingo, pelo meu pai, que era fotógrafo. Devia ser um dia de almoço de família, todos reunidos em volta da mesa comprida.

Eu no colo da minha mãe, Lota, o lugar que eu mais gostava no mundo. Parece que eu tinha acabado de mamar, e dizem que era a outra coisa que eu mais gostava no mundo.  Mas a gente nunca se lembra dessas coisas.

O ano de 2003 foi o último dia das mães que comemoramos juntas.

Fizemos um almoço na nossa casa e uma surpresa para as duas mães, a Lota e a minha sogra. Passei  dias dizendo que iria acontecer essa tal surpresa, mas não revelava o que era. Tentava criar, dia a dia, uma expectativa.

Na hora próxima à surpresa, saímos com elas e as levamos ao teatro do Leblon. A peça era “Uma Noite na Lua”, um texto lindo de João Falcão com Marco Nanini, que estava sensacional e ganhou todos os prêmios daquele ano.

Lota adorou, se divertiu muito, riu com a aflição do escritor que não consegue terminar o texto que precisa entregar e é atormentado pelas lembranças da ex-mulher.

No dia seguinte, Loló, como eu a chamava, me ligou dizendo que  aquele tinha sido o melhor dia das mães da vida dela. Quatro meses depois ela adoeceu e em cinquenta e oito dias se foi.

Se eu soubesse que aquele seria o último ano, teria feito uma surpresa em todos os anos anteriores. Em todos os meses, talvez todos os dias. Mas a gente nunca sabe.

Assim, desde 2003, a cada dia das mães me vêm a recordação do almoço que tivemos, da excitação crescente com a surpresa, do Nanini no palco, e daí me dá uma pontinha de tristeza. Uma pontinha que às vezes se torna uma montanha, um Everest.

O dia das mães de 2003 nunca mais vai se repetir, por mais que o céu esteja de um azul igual ao daquele domingo de maio doze anos atrás.


Lota faz uma falta tão grande, tão grande, do tamanho do mundo, como eu dizia que era o tamanho do meu amor por ela quando era criança. E abria os braços para deixar bem claro.

Disso eu me lembro bem.

quarta-feira, 6 de maio de 2015

HILLARY E EU




Hillary Clinton será a candidata democrata à presidência americana, leio,  e lembro que, uns cinco, seis anos atrás, nossas vidas se cruzaram, num breve período de tempo que jamais entrou para a História.

O cenário era Brasília, o gramado estorricado pelo sol causticante em frente à Esplanada dos Ministérios. Os prédios iguais, feiosos, sem graça, com suas vidraças quadradinhas, sonho socialista numa escala desumana. O céu lindo do planalto, cheio de nuvens imagéticas, criava uma abóbada sobre nós, ativistas vestidos de caveira.

Enfiados num macacão preto de poliéster com ossos pintados de branco e uma máscara com aquele sorriso de todos os dentes expostos, os olhos cadavéricos. Um pequeno furo na boca para respirar. Suor escorrendo pela espinha, ensopando a testa e acima dos lábios.

Duzentas cruzes foram espalhadas pelo gramado, simbolizando as mortes provocadas pelo cigarro. Era essa a nossa causa. Nossa organização, que preparava o protesto defronte ao Ministério da Saúde, encomendou balões para chamar a atenção. Não bastavam  cruzes, caveiras, cigarros infláveis de um metro e meio e um carro de som cujos decibéis espantavam qualquer bicho do cerrado. Tinha de haver balões coloridos, gigantescos, enchidos a gás, pesados, a corda grossa presa ao carrinho que os sustentavam para não voarem pelo céu abobadado.

Enquanto organizávamos a ação, num outro lugar qualquer ali perto, talvez o Itamaraty, Hillary Clinton visitava alguma autoridade. Secretária de Estado, a mulher mais poderosa do mundo estava muito incomodada com a aproximação com o Irã, chamado até de nação irmã, ou coisa do tipo, pelo nosso presidente.

Um vento planaltino, prenúncio de uma chuva rara para a capital, começou a varrer o nosso cenário. Cruzes voaram, cartazes caíram no espelho d’agua. Eu corri para segurar os balões, como se minha missão na Terra fosse protegê-los. O homem que os enchia, insensato, entregou um deles para mim.  Amarrava os recém-enchidos ao carrinho apressadamente, a experiência de anos labutando no setor baloeiro. Aquele diâmetro de uma imensidão abusiva. Que ingênua fui ao segurar aquele balão vermelho. O vento era tão forte que quase arrancou meu braço, levantado totalmente acima de minha cabeça pela fluidez daquela bola imensa de gás que queria ganhar os céus de Brasília.

Deixei cair a cruz que segurava, agarrei o grosso cordão com as duas mãos e senti que levantava voo, saía um pouquinho do chão. Era o que faltava, eu, vestida de caveira e tudo o mais, ter o mesmo destino daquele padre louco que se perdeu por aí agarrado a balões.

De repente, uma sirene alta, mais alta ainda que os decibéis do nosso protesto. Carros pretos com batedores em motos, bandeirinhas americanas nos retrovisores, policiais armados e bem vestidos. No carro do meio, o vidro preto se abriu.

Naquele instante de tempo em que ventava, em que cartazes mergulhavam no lago, em que pássaros faziam uma revoada em busca de abrigo, em que as nuvens se fechavam em tormenta, em que eu voava um pouquinho acima do chão estorricado, naquele instante Hillary Clinton olhou através da janela. Expôs seu sorriso branco e seus cabelos louros, milimetricamente penteados. E acenou.

Segurei o balão só com a mão esquerda, com a direita acenei de volta para a mulher mais poderosa do mundo. Eu, igual a uma Mary Poppins, e vestida de caveira,

A comitiva passou. O vento se foi também. O protesto seguiu adiante. Depois choveu e o gramado ficou com um cheiro delicioso de mato molhado.