Querido,
Insisto no
adjetivo. Meu problema é ser repetitiva. E insistente, você acha.
Aquela foi a
maior árvore que já vi. Na semana passada. Te falei dela. Parecia deslocada
naquele cenário plano sem montanhas, naquela aridez de plantas que nascem
rasteiras ao chão seco e avermelhado. Ficava num canto, a sombra espalhada pelo
jardim inteiro.
Eu me deitei no
gramado, sob a sombra, as mãos fechadas em concha por trás da cabeça. Observei
as folhas verdes escuras, bem nutridas, parrudas. Os troncos como tecidos num
fio. Grossas fibras que se misturavam, retorcidas há centenas de anos, e se
tornavam uma só.
Meia lua perdida
no azul, a recusa a se recolher, embora o sol despontasse no lado oposto. Nada
de nuvens. O céu de uma violência despudorada a tirar o fôlego de quem ousasse
olhar para cima, admirá-lo. Aquela cidade tem disso: um céu que vou te contar.
A grama com
resquícios da madrugada. Eu tinha acabado de andar até o lago, descalcei os
tênis e senti os pés pisando o chão, os pedregulhos machucando. E então deitei sob a árvore gigante. A umidade
atravessou a camiseta. O cheiro da
árvore, do orvalho aos poucos evaporando. Um vento calmo. Talvez eu chamasse
aquele instante de paz.
São raros esses
momentos, Querido, acredita em mim. São raros na vida inteira, se você quer
saber. Agora dor na pele, arrepios, suor, amargo na base da língua. Desassossego.
Te contei da
árvore. Falei da sensação de aspereza do tronco na minha mão, do cheiro de
musgo que senti. Seria um sonho ter você ali, admirado com os galhos fortes,
com o verde das folhas, com os frutos marrons que se desprendiam e sujavam o
gramado no entorno das raízes. Queria que olhasse o céu que nos acolhia. A
ausência de nuvens. O céu que nos acolheria, o futuro que não vai acontecer.
Penso em você em
todos os lugares onde eu vejo beleza, te falei disso, Querido. Lembro daquele
filme em que o cara apaga a memória para não sofrer a perda e termina se
apaixonando pela mesma moça que lhe causou tanta dor. Preciso reprogramar meu
cérebro. Acostumei a te mandar fotos, as coisas belas eternizadas, essa mania.
O bondinho pendurado entre os dois morros e uma orquídea em primeiro plano
brotando num poste. Lembra? O feijão de Chicago e minha imagem distorcida. A
floresta ao entardecer em riscos alaranjados. O cisne do jardim onde fomos e o
reflexo do palácio na água do lago. O pavão que atravessou a varanda e se
expôs, todo admirável.
No dia em que
deitei sob a árvore, vi insetos passearem pelos veios. Aranha tecendo teia, os
fios iluminados pelo raio de sol que atravessava a copa. Formigas carregando
pequenos grãos. Fechei os olhos, pensei no universo, no quadro da sala, na
explosão dos amarelos. Na sorte de ter te encontrado depois de tudo, de tanto
tempo. E então, em casa, te abracei. A suavidade dos seus cabelos quando passei os dedos na sua nuca e
disse que saudade, e te beijei. A sua
alfazema.
O que que a gente faz com um
sentimento de quase trinta anos, eu te perguntei. Gosto de você só um
poço, um pocinho, um porquinho, um potinho, um danoninho, um bifinho. Uma
bobagem, o poeminha bobo. O começo.
Preciso entender
onde perdi o fio da meada.
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