domingo, 7 de agosto de 2016

ANIVERSÁRIO




Bart chegou em casa num 21 de setembro. Só 45 dias, um tiquinho de gente, de cachorro. Nascera em 8 de agosto. De 2003, lá no começo do século. Passou tanto tempo, passou tão rápido, aconteceu tanta coisa nesse intervalo entre aquele dia e hoje, em que observo sua velhice estendida no sofá.  

Era domingo de sol. A ninhada  reunida em torno da mãe, pretinha como ele, focinho e patas caramelo. As fêmeas bege, a cara do  Oto, já tinham dono. Oto, o nome do pai, nunca esqueci. O da mãe eu não me lembro. Iriam embora em dois ou três dias, as fofuras douradas. 

O prometido para nós era outro, um pouco maiorzinho.  Corria e tudo o danado, explorava o terreno cheirando os cantos, comia a comida dos outros, dava latidos curtos e implicava com os irmãos. Em um minuto mordiscou a ponta do cadarço do tênis que calçávamos. Peste.

O menor de todos, o frágil, o medroso,  me olhou de onde estava, protegido pela barriga gorda da mãe. E que olhos, meus deus, que olhos. Olhos pidões, caídos, mas vivos, percebendo um mundo que deveria existir à sua volta. Assustado, claro, afinal o mundo amedronta mesmo, ainda mais tendo tudo isso a se descobrir além do gramado. Depois do portão.  Da rua.

Eu o peguei no colo com delicadeza e não consegui mais largar. A orelha com uma penugem na parte de trás, a barriga cheia, rosada, as unhas finas a me espetar. E que pelo macio, brilhoso, que cheiro bom, de leite e de ração e sei lá de quê, de terra, de mato, de pulgas talvez.

No carro, enrolado na minha jaqueta, o choro não parou até chegar em casa. Era tão inocente, tão bobinho, coitado, que não sabia beber água na tigela e meio que enfiou o focinho inteiro, espirrou, entornou.

A comida eu dei na boca, e inauguramos ali, no mesmo dia, um jeito de nos tratarmos em que ele entende tudo que falo, os meus gestos, embora só faça o que quer, o sem vergonha. Eu aceito todos os resmungos, os latidos bravos e os de chamar a atenção, atendo os pedidos. Ou não.  Depende do dia, da hora, ele sabe disso. Ele acha que manda, eu penso que sou eu a chefe e assim tocamos até aqui.

Naqueles primeiros tempos, lá em 2003, naquele passado hoje tão distante e que passou tão rápido, ele andava aos tropeções. E de uma hora para a outra aprendeu a controlar as pernas e inaugurou o que demos o nome de circuito Bart: voltas e mais voltas correndo pela sala, pulando no sofá, apesar das patas tão curtas. Especialmente de manhã, quando acordava, como a saudar o dia inteiro pela frente. A minhoca maluca.

O circuito Bart agora, aos treze, é mais raro. Subir no sofá sozinho só quando há muita disposição, uma almofada dando sopa, por exemplo, pronta para ser estraçalhada. Ainda. Aos treze.

Nos tempos atuais a vontade de dormir é maior que nunca, embora a nossa caminhada diária esteja garantida, do mesmo jeito que a água de coco ao fim do passeio.  É um ritual sagrado, só quebrado nos dias de chuva, e chove pouco. Não inventa novidade, parece dizer quando resolvo andar um quarteirão a mais.  E trava, empaca, bicho teimoso, e faz ele mesmo o caminho de volta para casa, o rabo em pé. Eu só o sigo, é meu papel.

Resmungão, agora reclama muito mais e late à toa, a me lembrar a toda hora estou cansado, me ouve, respeita meus cabelos brancos e não demora, faz logo a minha vontade. E eu faço, vou dizer o quê nessa altura do campeonato.

Um erro enorme de quem inventou tudo, o mundo, o universo, a vida, é que o  tempo passa dessa forma tão acelerada. Poderia ser mais lento, sem perder o fôlego desse jeito.

Observo a velhice estendida no sofá, o mafuá da manta, e preparo o frango com arroz e cenoura especial para o aniversário.  Bem molinho, uma quase canja, que é como ele gosta.

Hoje o dia começou com palitos comestíveis e um coco inteiro para cravar os dentes e sentir a carne macia. Coisa dos deuses dos cachorros.

Te amo, bicho.  Você entende o som, a ternura na voz, amor da vida, e abana o rabo preguiçosamente enquanto te olho espreguiçar. E  só peço ao universo que o tempo passe meio devagar para garantir mais alguns bons anos juntos. Em paz. Com saúde. E amor, mas isso já está garantido há treze anos.

E um monte de cocos gelados com a carne macia.





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