Quando a menina era pequena, pensava
no século vinte e um como tão distante de tudo e quase como ficção científica, um mundo como o
dos Jetsons: ela andaria de carro voador, teria um robô rodando pela casa, um
sapato skate que a faria deslizar pelo espaço. É claro que a casa da menina flutuaria
no espaço, seria toda de vidro e ela teria um cachorro com uma hélice na
cabeça, que alcançaria as bolas mais altas e as traria de volta.
Ela tem o cachorro, é feliz pelo fato
dele dormir enroscado em suas pernas. Mas não é mais uma menina há tempos e o
mundo dos dias atuais está muito diferente do que ela queria. A felicidade, essa
é só uma abstração, ela pensa. A menina do outro dia, dos dias passados, a
menina que existiu há tempos, essa veria tudo de outra forma, talvez em tons
pastéis como os dos desenhos que fazia a lápis nas folhas de papel, mergulhada
em sua infância feliz de cidade de interior.
Na imaginação da menina, os tempos do
séculos vinte e um não teriam espaço para coisas ruins, para dores, para
lágrimas. Seria só o vento, o céu azul, as nuvens brancas, as montanhas
acinzentadas e cobertas de vegetação, a água limpa vinda de uma nascente.
Carros voadores. Casas flutuantes.
Era uma época, aquela em que a menina
vivia, em que ela rezava todas as noites, pedindo proteção, e falava os nomes
dos seus lá de sua casa, um por um, até pegar no sono e dormir com os anjos.
Na casa da menina, lá no passado,
havia uma árvore de natal prateada que ela achava linda, absurdamente linda.
Aos poucos, as bolas se quebraram, os fios prateados caíram. Colocaram um
pinheiro em seu lugar, para ela sem
graça, exposto num canto qualquer, por mais enfeitado que estivesse. Foi na mesma época em que seu pai morreu e a
menina começou a crescer, teve que ser menos menina. Um certo medo do futuro
começou, ele poderia não ser tão bom, com elevador de teletransporte, controle da gravidade, coisa e tal.
A menina, quando bem pequena, tentava
ficar acordada nas noites do réveillon para ver o ano velho indo embora, com
uma bengala torta e quase cego, enrolado em trapos, e o ano novo chegando,
ainda de fraldas e chupeta. Mas ela dormia e, no dia seguinte, prometia que ia
conseguir ver a chegada do ano novo no ano que vem. Quando conseguiu esperar a
meia-noite acordada, a noite foi igual a
qualquer outra e perdeu toda a graça. É só uma data no calendário, a menina
aprendeu e repetiu por todos os anos, em todas as datas, até nesses dias no
século vinte e um, onde ela vive.
Pessoas morreram e sentimentos
acabaram. A menina não imaginava isso, mas aconteceu, e ela aprendeu que há
tempos bons e tempos ruins.
É inverno, e faz um calor bom, de vem
em quando o céu fica azul sem nenhuma nuvem, a paisagem é de um verde quase
constrangedor, brilhoso, apesar de folhas secas no chão. Madrugada, pela janela
entra um ar fresco, perfumado pelos flamboyants que enfeitam a rua, e é um
cheiro que atiça a menina que ainda tenta dormir, mas não consegue.
O sono não chega. Ela não reza mais
antes de dormir há tempos, fecha os olhos e pronto. Ou não, e rola na cama de
insônia. E assiste a filmes ou lê
livros.
É mais ou menos isso. Ou, como naqueles
desenhos do Globinho, dos seus sete, oito anos: That’s All Folks.
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