quarta-feira, 30 de outubro de 2013

NÓS QUE AQUI ESTAMOS, POR VÓS ESPERAMOS




Um dos passeios que meu pai gostava de fazer comigo, quando criança, era nos distritos de Teresópolis, onde morávamos. Não sei como são hoje essas regiões, mas na época, lá se vão trinta e tantos anos, eram pequenas vilas agrícolas, com casinhas simples distantes umas das outras, ruas de terra batida, muito verde e uma igrejinha com o cemitério ao fundo.

Sempre entrávamos nas igrejas, rezávamos e íamos ao cemitério, andávamos entre as sepulturas, “não pisa nelas porque é desrespeitoso com o morto”, papai me dizia. E eu as contornava, lia os nomes nas lápides, as frases em homenagens aos que se foram.

Papai fotografava os cemitérios pequeninos e me ensinou que são lugares de um silêncio profundo e de paz. Nunca tive medo, sempre me sentia bem indo com eles a esses passeios, que aconteciam aos domingos pela manhã. E gostava de olhar pelo visor da Rolleiflex dele, entender o ângulo que ele estava buscando, como regulava o diafragma para receber a luz que precisava. Depois, eu ficava no quarto escuro com ele, vendo as imagens serem reveladas e  surgirem misteriosamente no papel mergulhado na bandeja de revelador e fixador.  Lamento tanto não ter essas fotografias, que se perderam com o tempo.

Esses programas eram feitos sob o céu azul intenso, o verde escuro das árvores colorido pelos raios de sol, a Mulher de Pedra ao fundo ou outra montanha, dependendo do lugar onde estivéssemos.  Eu, pequena e magrinha, cabelo bem curtinho, com calça jeans boca de sino, bamba e um suéter vermelho de lã com coelhinhos brancos bordados. Essa é a foto que está no porta retratos das minhas melhores lembranças.

Ontem fui ao cemitério São João Batista para o velório da tiavó, que partiu às vésperas do aniversário de 96 anos.

Entrei pela alameda principal e andei até o cruzeiro, vendo os nomes dos desconhecidos que ali estão por toda uma eternidade, calculando as idades que tinham, lendo as homenagens que foram escritas nas lápides e me admirando com as esculturas de anjos, lindas, que enfeitam os túmulos dos que penso ter sido mais endinheirados. Nos pequenos cemitérios atrás das igrejinhas de Teresópolis, não havia esculturas de mármore. Eram todas muito simples, enfeitadas com vasos  ou canteiros de flores.

Apesar de ser no meio do tumultuado Botafogo, o silêncio profundo do São João Batista me deu uma paz imensa.  Do cruzeiro, segui por uma rua estreita, tomando cuidado para não pisar nas sepulturas, como papai havia me ensinado, até chegar a um muro branco cheio de caixas onde guardam restos mortais. São muitas caixas para formar uma muralha tão extensa, nunca havia reparado nisso.

O Corcovado, visto daquela perspectiva, com o Cristo abrindo seus braços e acolhendo a todos, dá uma linda foto.  A foto é de Fábio Motta, da Agência Estado.


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