segunda-feira, 18 de janeiro de 2016

RETRATO EM PRETO E BRANCO



Hoje minha irmã me mandou uma fotografia que ela achou em algum canto da casa dela:  meu pai comigo em frente à loja que ele tinha, na praça de Teresópolis.  A lojinha, como a gente chamava. Era um estúdio fotográfico.

Não tem data, mas pela minha idade diria que provavelmente é de 1979. A última foto dele. Agora, é a única com ele que eu tenho.

Procurei  por toda a vida alguma imagem com ele, à toa, e nunca encontrei. O meu pai era fotógrafo,  e era o fotógrafo da família, por isso raramente aparecia nas fotos. Ele tirava as fotos e revelava, coisa que eu adorava fazer junto, perceber as imagem desfocadas ganharem nitidez naquela bacia de revelador, sob a luz vermelha, o barulho do projetor, o cheiro ácido do fixador. Vem, para acabar o rolo, era como ele me chamava para eu posar para a sua Rolleiflex, naquela época pré-histórica das câmeras de filme, e eu sorria, ou fazia ares enigmáticos, ou sei lá. E por acabar com os rolos, tenho caixas e caixas de fotos quando criança. E no entanto, nenhuma com ele.

Às vezes, a tal felicidade está  numa simples imagem quase impossível de se distinguir. A mão dele me abraçando, a mão que é igual à minha, gorducha, o mesmo formato das unhas, ele era alto ou fui eu que cresci, me pergunto, a barba que eu gostava de passar cremes e pentear enquanto assistíamos a Kung-Fu na televisão.

Nesse  retrato em preto e branco eu devia ter doze anos, os fatídicos doze anos que mudariam tudo, eu à beira da adolescência e ele, morto poucos meses depois, me deixando um buraco que dura para sempre.  

Um dia, muitos anos depois, eu já adulta, num casamento de uma amiga, meu irmão me perguntou, assim, sem mais nem menos, se eu me lembrava da voz do meu pai. E eu não me lembrava mais, a voz se apagou com o tempo, como retratos antigos, e eu chorei, e meu irmão chorou. Mas ele se lembrava, que sorte.

Essa foto, de certa forma, é a conquista de um pedacinho da memória que ficou lá atrás, no século vinte, junto com ele. Com a voz.


2 comentários:

  1. Ai prima,eu gostava muito do meu tio João e penso eu, que ele não percebia... Lembro-me de vocês assim como estão... A imagem de minha recordação é esta... Um dia estaremos juntas e então irei relatar o que vivi com vocês, foi muito bom e esta gravado em minha memória e em meu coração. Bjos e até breve!

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  2. Querida Anna, senti que você tinha a mesma afinidade com seu pai como eu... agora me passou um filme da minha infância e até da minha vida adulta pois tive o prazer de conviver com ele depois de casada e com minhas filhas. E te digo eu lembro da voz do meu pai!!! Obrigada por fazer eu viajar!! Beijinhos e parabéns pelo texto tão lindo e profundo. M. Luiza Furtado

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