Eu te amo é muito
comum para essa noite, pensei logo depois que te disse eu te amo, que eu repeti
o ano inteiro, que venho insistindo há tempos, mas o que mais vou te dizer se o
que quero é te dizer que te amo? E insisti naquele instante num eu te amo
baixinho, de novo, feito um segredo, só os movimentos labiais. A lua quase
quase redonda no alto, como se usasse uma echarpe de filó para evitar um
resfriado. Logo mais ela vai estar plena, uma Superlua, como vem sendo
anunciada, com maiúscula e tudo.
A areia fria, boa
de pisar naquela hora, o Dois Irmãos feito uma pintura em acrílico, um mural ali
à direita de nós, bem escuro, o contorno da montanha mais forte que o véu de
nuvem. E ao pé do morro chapiscos de
luzinhas coloridas a cair no oceano, incontáveis luzinhas, milhares de
respingos brancos e amarelos e azuis de
tinta jogados aleatoriamente. Festas nos apartamentos, músicas espalhadas no ar faltando fôlego para
chegar até nós, o som perdido no espaço dos minutos que levamos para chegar
ali, na beira.
O outro lado é só
mar, as ilhas todas que a essa hora somem no horizonte, navios, o Atlântico, as
ondas prateadas, quantas toneladas de
água, e então a costa da África, tão
perto. Será que eles, lá do outro lado, estão se vendo em nós, esperando o futuro
preste a se anunciar e explodir em fogos? E pensar que era tudo isso uma coisa
só, rochas e vales e crateras e terra e rios e árvores e já até havia essa lua
enquanto a gente era só poeira. E no entanto, eu te digo, e no entanto, num
ponto qualquer disso tudo que está aí, eu te amava. No Cretáceo, eu já te
amava.
Era nisso que eu
pensava quando finquei as flores no montinho da areia que você ajeitou para
ficar bem firme e pegou a minha mão. Seus dedos entrelaçaram os meus, é muito bom
isso de andar de mãos dadas com você. O mar calmo. O vento bom, fresco. Ali, a espuma fez uma lagoinha, os pés afundaram na parte
mole. A paz, se eu fosse capaz de defini-la, seria isso: mãos dadas à beira
d’água.
Meus olhos
marejados. Por depois de tanto tempo ter você segurando a minha mão. Por eu ser
outra agora, e voltar a ser a mesma que te amava lá no Cretáceo, quando olhava
as Superluas sem saber serem superluas, sem saber das maiúsculas, sem saber de
nada. Lembrei de mãe e de pai, das
gentes queridas mortas, de gente bípede e quadrúpede, que amei e quis bem, que
estejam felizes, pensei, enquanto eu viver eles todos viverão em mim. Mais um
ano. E olhai por nós, eu disse.
As flores
oferecidas por outras pessoas voltam e ficam presas pela areia, largadas. Como
esperança, há alguma aqui, alguma ali. Amanhã cedo serão recolhidas pelos
garis, transformadas em adubo. As flores.
A esperança
segue, vai e volta. A onda. É o que mantém a vida.